Inserir alguém que já nem se sente mais parte da sociedade. Esse é o objetivo do projeto Nova Rota, criado em 2019 por alunos de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que oferece mentoria e ajuda de custos para ex-detentos entrarem na faculdade ou retornarem ao mercado de trabalho – e ficarem longe do crime de vez.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que a população prisional do Brasil hoje supera 900 mil detentos, dentre eles muitos jovens periféricos com poucas oportunidades educacionais. Segundo os idealizadores do programa, o objetivo é tirar os egressos do sistema carcerário dos “círculos de vulnerabilidade” e evitar a reincidência.
“Importado” de uma ação estrangeira, chamada Gauss, o Nova Rota consiste em dar bolsas de estudo a antigos detentos agora em liberdade ou prisão domiciliar e ajudá-los a conseguir emprego. A ideia surgiu em São Paulo e hoje está também no Rio.
Os selecionados recebem auxílios conforme suas condições e objetivos e são acompanhados pelos voluntários. Segundo Katherine Almeida Martins, advogada e coordenadora do programa, a estruturação do projeto ocorreu após os criadores enxergarem o problema de forma mais ampla. “Na inocência de só dar a bolsa, a gente se deparou com a realidade das pessoas que têm moradia e família para cuidar. Às vezes, não há disponibilidade para um curso integral”, disse.
“O que eram, em princípio, bolsas de universidade, foi readequado às necessidades das pessoas. Propomos cursos técnicos, profissionalizantes, supletivos, cursos de Inglês. Abrimos vários ramos dentro dessas perspectivas de ajuda de custo”, complementou.
Uma das beneficiárias é Débora Dias, da comunidade de Santa Rosa, em Mauá, na Grande São Paulo. Ela tem 23 anos e foi presa em 2017, com 18, no último ano do ensino médio. Detida por porte de drogas, pouco tempo após ter feito inscrição na Fuvest, o vestibular da USP, ela diz que se dedicava aos estudos, mas enfrentava outros problemas.
“Eu cheirava muito pó, era minha válvula de escape de uma vida conturbada”, relembra. “Tinha convívio com os meninos da favela e, um dia, a polícia invadiu. Eles correram e fui pega”, conta. A partir daquele momento, o sonho de entrar na faculdade foi interrompido.
Débora cumpriu sua pena e foi libertada três anos depois. Em busca de uma retomada, teve contato com o programa Recomeçar, um dos parceiros do Nova Rota. “Eles falam rapidinho da faculdade, e mais sobre as chances de emprego, porque as pessoas querem botar comida na mesa”, conta.
Apaixonada por escrita, design gráfico e audiovisual, a jovem pesquisou diferentes carreiras para seguir. Ela cogitou Filosofia, Cinema e Design, mas acabou optando por Publicidade, onde enxergou como o curso ideal para seus gostos. Ajudada pelo Nova Rota, conseguiu bolsa na Universidade Paulista (Unip), onde começou a estudar ainda em 2022.
Débora trabalha como operadora de telemarketing em uma agência de viagens, serviço “que envolve sonhos de pessoas”, como ela mesma descreve. Conciliar o trabalho com os livros se mostrou outro desafio, e aí entra o Nova Rota, que ofereceu ajuda psicológica a jovem. “Falei com as mentoras que queria mudar de horário, mas não podia por causa do trabalho. Elas conversaram bastante comigo e no outro dia já fui para faculdade”, relata.
Para se tornar bolsista do Nova Rota, o candidato deve preencher um formulário prévio com informações básicas, como tempo de egresso, moradia, renda, idade, gênero, etc. Depois, é pedida uma carta de motivação e, na terceira etapa, são feitas entrevistas de seleção. “O que acaba às vezes pesando quando há empate é a situação de vulnerabilidade, quem realmente não teria capacidade de estudar sem a bolsa”, conta Katherine. Caso a necessidade maior seja um emprego, o candidato é encaminhado para os programas parceiros.
O projeto tem apoio de empresas e órgãos públicos, além de pessoas físicas. Há ainda uma ação de crowdfunding (vaquinha coletiva) na internet, que pode ser acessado aqui. O sonho dos idealizadores é expandi-lo para todo o Brasil. Até agora, o Nova Rota já tem uma aluna formada e duas concluem o curso em breve. “Pessoas que passaram a vida nessa situação de exclusão têm vontade de seguir com a gente”, finaliza a advogada.
